quarta-feira, 11 de maio de 2011

Salvações

A vida compraz-se, às vezes, em oferecer-nos compêndios alegóricos da realidade, ou melhor, citações impecavelmente escolhidas do grande texto da História que vivemos. Nos corredores do metro, no Primeiro de Maio, juntam-se milhares de trabalhadores endomingados, novos e velhos, e com as suas famílias vão alegres e despreocupados rumo à Feira de Paris, ao Campo de Marte ou ao Bosque de Bolonha, cada um deles com o seu ramo de “muguet” na mão. Estão felizes, almoçaram bem, é o seu feriado, a sua festividade. Sentados no chão dum corredor, dois estudantes hirsutos e barbudos, com guitarras, cantam uma canção marcial e revolucionária, da qual só retenho este trecho:”Trabalhadores, ergam as barricadas”. Os proletários, sem abrandarem a marcha, lançam-lhes um olhar de reprovação, sentindo-se chocados, quase ofendidos. Nada mais fora do contexto do que aqueles mancebos a falar de barricadas, lutas e conflitos num dia de distração, entre tantos dias de trabalho. A presença desses estudantes, a sua atitude, a sua intenção, é tão vã e ilusória como a dessas mulheres do Exército de Salvação que se postam à porta dos bordéis para tenta catequizar os putanheiros.


Júlio Ramón Ribeyro em Prosas Apátridas

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