quarta-feira, 5 de setembro de 2007

Regresso e Memórias ( VIII )


"A Síndrome portuguesa do Chapeleiro Louco", escrito por José Vitor Malheiros no Publico, toca em aspectos fundamentais das nossas organizações quer sejam publicas quer privadas.
Infelizmente esta síndrome não é exclusivamente potuguesa. Quem conhece algumas multinacionais sabe que aí se passa exactamente o mesmo. Gostaria de deixar aqui alguns excertos para quem não teve a possibilidade de ler o interessante artigo. Tenho pena que, designadamente aqui, na blogosfera, ela não tenha sido alvo de discussão. È muito mau sinal quando só nos interessamos pela pequena intriga partidária.

"Em Portugal é tudo tão urgente que não há tempo para planear ( o planeamento é considerado
nos meios tecnocratas, na prática, como uma desculpa para não agir) , nem para discutir ( a discussão é também considerada nos meios tecnocráticos como uma desculpa para não agir, para mais com laivos de esquerdismo, e é substituida com vantagem por "focus groups") e muito menos para reflectir ( a reflexão é também considerada nos meios tecnocratas como uma desculpa para não agir e é substituida com vantagem por "brain stormings"de um dia "num hotel").
Em Portugal a regra é excepção e a excepção a regra e os gestores adoram viver neste regime de excepção, de "reestruturação" constante, de urgência permanente, de truques em vez de técnica, de jeitos em vez de procedimentos, de desenrascanços em vez de normas, de empurrões e solavancos em vez de fluidez, porque isso lhes dá a justificação para todos os abusos e a desculpa para todos os fracassos... Este clima de urgência evita, por outro lado , que se reflicta alguma vez no facto de que a situação critica em que a empresa se encontra , essa mesma "urgência", é fruto de uma série de jogadas anteriores, igualmente apressadas e igualmente irreflectidas. Por outras palavras : a "solução urgente" de hoje gera inevitavelmente os "problemas urgentes" de amanhã.
Todos os Verões ( e este não foi excepção) sei de amigos e conhecidos, quadros de empresas, que são obrigados a anular as férias marcadas há meses, a adiá-las, encurtá-las, entremeá-las de reuniões e "projectos", devido a "urgências" na empresa , trabalhos que afinal é preciso entregar mais cedo , "reestruturações" que têm de ser feitas em meia dúzia de dias , transformando num nó de "stress" um período que deveria ser retemperador. Estas perniciosas "urgências" têm a sua razão de ser , que não se resume à incompetência generalizada das organizações. Elas servem para transmitir aos chefes dos chefes uma falsa ideia de actividade, para mascarar as pequenas tiranias dos capatazes a quem hoje chamamos gestores, para impor soluções sem dar tempo para as discutir e para garantir a impunidade quando chega a hora dos resultados...assim os modernos capatazes vêem os seus prémios subir quando conseguem transmitir a ilusão de agitação nas sua unidades , por pífio que seja o resultado.
A situação não revela apenas desrespeito pelos direitos dos trabalhadores ( ainda se poderá falar de direitos sem ser acusado de "sabotar a economia", para usar uma expressão cara ao tempo de Estaline?), ela revela como muita empresas realizam a sua aposta "no capital humano": não como a promoção e bem-estar dos seus trabalhadores e da suas capacidades de inovação, mas como a mera exploração sem limites do seu trabalho."
Certeirissima reflexão. Posso testemunhá-lo eu, que vivi situações absolutamente idênticas a quanto retratado por José Vitor Malheiros.
Tudo isto podia e devia ser discutido pela tão apregoada "sociedade civil", as CIP's e os Compromissos Portugal, se lhes sobrasse tempo da intriga lobiana pró ou contra os governos e da promoção dos seus dirigentes.
E também as revistas e programas de "economia e gestão" deveriam tratar estas questões caso não se revissem unicamente nos epifenómenos e nos engravatamentos enfatuados dos seus autores.

1 comentário:

rui disse...

este artigo foi brilhante, também o li em férias e até pensei afixá-lo no meu local de trabalho.