quinta-feira, 8 de julho de 2010

Sócrates, Gregos e Troianos


Na semana passada, José Sócrates desagradou a quase todos os "opinion-makers", accionistas da PT e da Telefónica, banqueiros portugueses, políticos espanhóis, e a todos os que pensam que os mercados são soberanos e as leis pelas quais estes se regem não podem sofrer influências políticas.

Desde o "Financial Times", ao "El País" (portanto da direita à esquerda), passando aqui pelo Jornal de Negócios, editorialistas de renome pronunciaram-se frontalmente contra esta ousadia do primeiro-ministro português. O veto de uma venda quando mais de dois terços dos accionistas estão de acordo? Mas não sabe o primeiro--ministro que as "golden shares" existem, mas o Estado não as pode usar - são como os poderes da Rainha de Inglaterra? O que pensarão de nós os investidores estrangeiros e os poderes económicos globais, perante esta medida?

O primeiro-ministro pode até estar fora de jogo no campo económico, mas do ponto de vista político foi um bonito golo de Sócrates. Para já, enquanto o imbróglio avança juridicamente uma coisa é certa: com esta decisão, o primeiro-ministro agradou não apenas à esquerda, mas ao eleitorado português em geral.

Como se pode depreender isso? Vejamos como reagiram os partidos: O PCP apoiou o veto do governo, embora considere que só o controlo público da PT é que impedirá a "sede de lucro" dos accionistas. Francisco Louçã, em nome do Bloco de Esquerda disse que o Governo tem a obrigação de "enfrentar" a Comissão Europeia para evitar a protecção dos interesses da Telefónica ao defender o controlo público do grupo PT. Ambos no seu melhor: contra-vontade, não vá alguém pensar que apoiam a decisão do Governo, apoiaram a decisão do Governo.

Mas talvez mais importante de notar (além do silêncio do Presidente da República) é a reacção do CDS-PP. Paulo Portas proferiu as seguintes declarações à Rádio Renascença: "Eu não vou fazer oposição com o uso da 'golden share', porque tenho sentido de Estado e sei que se a situação for ao contrário, ou seja, se uma empresa portuguesa quisesse comprar o maior activo de uma empresa espanhola, por exemplo, na América Latina, provavelmente, o Estado espanhol faria o que fez o Estado português".

Porque é que os partidos se posicionam assim? Esta é uma questão que politicamente tende a unir toda aquela Esquerda que desconfia dos benefícios da globalização com a Direita defensora de um Estado que represente um Estado-nação forte e independente. Juntando estes dois eleitorados, temos praticamente todo o País, com excepção dos liberais, que ao que parece estão desproporcionalmente representados nas elites políticas do PSD (mas não no seu eleitorado). O único líder que se afirmou contra o veto foi Passos Coelho.

Tomar uma decisão que agrada ao eleitorado não é o mesmo que populismo. Afinal de contas, os chefes de governo são eleitos para representar os interesses dos cidadãos. Se todos os centros de decisão saírem de Portugal, isso será no interesse público? Este tipo de intervenção do Estado é comum noutros países e marca o enorme esforço que os Estados hoje travam com as pressões económicas globais. Esforço inglório, talvez. Mas que não deixa de ser travado um pouco por toda a parte, inclusive nos EUA.

Mesmo que este "golo" político seja invalidado pela "arbitragem" no plano económico, pode haver um efeito positivo na relação com o eleitorado entre Governo, o partido que o apoia e a sociedade. É certo que o desgaste sofrido por Sócrates e o PS junto dos portugueses é muito grande e está relativamente consolidado ao longo de continuada divergência económica e degradação da confiança política. Mas atenção àqueles que julgam que este é um primeiro-ministro rendido aos avanços inelutáveis do PSD nas sondagens. O principal partido da oposição pode ter encontrado um líder que o uniu e que tem boa imagem na televisão. Mas as questões políticas fulcrais neste país, nomeadamente qual deve ser o papel do Estado na economia parecem continuar a separá-lo da maioria dos portugueses.

Marina Costa Lobo no Negócios Online

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