domingo, 6 de janeiro de 2008

Luiz Pacheco - Comunidade


"Estendo o pé e toco com o calcanhar numa bochecha de carne macia e morna; viro-me para o lado esquerdo, de costas para a luz do candeeiro, e bafeja-me um hálito calmo e suave; faço um gesto ao acaso no escuro e a mão, involuntária tenaz de dedos, pulso, sangue latejante, descai-me sobre um seio morno nu ou numa cabecita de bebé, com um tufo de penugem preta no cocoruto da careca, a moleirinha latejante; respiramos na boca uns dos outros, trocamos pernas e braços, bafos suor uns com os outros, uns pelos outros, tão aconchegados, tão embrulhados e enleados num mesmo calor como se as nossas veias e artérias transportassem o mesmo sangue girando, palpitassem compassadamente, silenciosamente, duma igual vivificante seiva.

....Mas a minha força é grande . Respiro ao mesmo tempo por cinco pulmões; quatro corações jovens ( certeiros e cheios) com muitos anos de corda para badalar, batem ao lado do meu e dão-lhe ânimo e companhia, eia!sus!avante! para mais uma jornada...

E enquanto dormem a meu lado, eu olho-os e descrevo-os para os fazer mais meus, para que mos vejam como eu quero. Olho-os e estou vivo. ..."


Pequenos excertos de COMUNIDADE in Exercícios de Estilo (1971)

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