Adoptando um tom apocalíptico outrora usado na filosofia e na crítica da cultura, alguns comentadores falam de um país – Portugal – à beira da catástrofe. Nesse discurso, nada que não esteja à altura do fim e da situação-limite lhes interessa. A isto chamou o filósofo alemão Karl Lowith um “modo de pensar por catástrofes”. Este discurso, de raiz profundamente conservadora, tem um carácter cíclico mas tende a esquecer-se que a sua lei é a do eterno retorno. Por outro lado, ele está tão arreigado à convicção de que há épocas de decadência que nem por um momento lhe ocorre que a verdadeira catástrofe pode ser o facto de as coisas continuarem como sempre foram. No fundo, esta previsão apocalíptica corresponde a um mal que Ulrich, a personagem criada por Musil em “O Homem Sem Qualidades” compreendeu muito bem. Ulrich percebeu que a época em que vive, dotada de um saber imenso que nenhuma época tivera antes, parece ser incapaz de intervir no curso da história. Ulrich remete para um mundo onde já não há acontecimentos mas apenas notícias, o que significa que o homem deixou de ter o poder de nele intervir.
António Guerreiro no “Expresso”
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