“Quando soubemos que o site Wikilleaks iria divulgar um enorme volume de informações confidenciais da diplomacia dos Estados Unidos, sentimo-nos como místicos na via do conhecimento último – aquele que nos faz aceder à essência e ao nome ao quê e ao quem. Mas, como ensinou um grande teólogo judeu do século XX, Gershom Scholem, a doutrina do conhecimento último redunda sempre em deceção porque não existem enigmas, apenas a aparência deles. O que acabou por nos ser revelado mostra bem que assim é, e que a estrutura interna da diplomacia, mesmo a americana, não é muito diferente da que governa a família, onde os grandes enigmas não passam de pequenos segredos sujos…
Podemos dizer deles (os segredos diplomáticos) o que Adorno dizia do ocultismo: é a metafísica dos imbecis. Mas tudo isto não significa que o esvaziamento do enigma – e a deceção que tal implica – não seja, em si mesmo, importante. Há um sentido de distância que fica destruído. Podemos pensar que se cumpre aqui uma promessa do saber e da razão, mas também sabemos bem como funciona a dialética do Iluminismo: o mito da razão e da luz engendra o seu contrário e, neste domínio, além de não haver conquistas definitivas, quanto mais tudo se revela transparente e sem enigma, mais precisamente de supor o reino do segredo e da opacidade.”
António Guerreiro no Expresso
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