sexta-feira, 16 de novembro de 2007

Um Poema Abrupto ?


NO REINO DO PACHECO

( colaboração para um almanaque)


Às duas por três nascemos,
às duas por três morremos.
E a vida? Não a vivemos.

Querer viver (deixai-nos rir !)
seria muito exigir...
Vida mental? Com certeza!
Vida por detrás da testa
será tudo o que nos resta?
Uma ideia é uma ideia
- e até parece nossa! -
mas quem viu uma andorinha
a puxar uma carroça?

Se à ideia não se der
o braço que ela pedir,
a ideia, por melhor
que ela seja ou queira ser,
não será mais que bolor,
pão abstracto ou mulher
sem amor!

Às duas por três nascemos,
às duas por três morremos.
E a vida? Não a vivemos.

Neste Reino do Pacheco
-do que era todo testa,
do que já nada dizia,
e só sorria, sorria,
do que nunca disse nada
a não ser prá galeria,
que também não o ouvia,
do que, por detrá da testa,
tinha a testa luzidia,
neste Reino do Pacheco,
ó meus senhores que nos resta
senão ir aos maus costumes
às redundâncias, bem-pensâncias,
com alfinetes e lumes,
fazer rebentar a besta,
pô-la de pernas pró ar?

Por isso, aqui, acolá
tudo pode acontecer,
que as ideias saem fora
da testa de cada qual
para que a vida não seja
só mentira, só mental...


Alexandre O'Neill "Poemas com endereço" ( 1962 )

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