quarta-feira, 19 de março de 2008

O Papel dos Filósofos


Porque sempre me interessei por temas de prospectiva, comprei no aeroporto de Newark, para ler na viagem de regresso, o livro "What's next: the experts guide. Predictions from 50 of America's Most Compelling People", de Jane Buckingham com Tiffany Ward, Harper and Collins, 2008.O livro é muito desigual, mas impressionou-me sobretudo o texto de Harry Frankfurt, professor na Universidade de Princeton, sobre o papel e o futuro da filosofia (ele tem em português um livrinho sobre a "treta", tradução do original "bullshit": "Da Treta", Livros da Areia, 2006). Começa assim o seu ensaio intitulado "Sobre a filosofia":"O papel dos filósofos consiste em procurar a clareza e a verdade. Não creio que os filósofos devam procurar um papel social ou político ou pensar neles próprios como intelectuais públicos ou sequer que tenham a responsabilidade de o ser. A sua responsabilidade principal é em relação à clareza e à verdade e à comprensão. Julgo que é muito importante ter isso sempre em mente, pois, de outro modo, todo o seu trabalho fica corrompido e infundido de objectivos e ideias que são contrárias ao seu objectivo natural.Não penso que a filosofia alguma vez tenha tido uma grande audiência, pelo menos uma audiência que estivesse verdadeiramente comprometida a segui-la de uma maneira rigorosa. Os filósofos sempre tiveram um trabalho solitário, sem muito apoio ou participação do público. Não penso que os filósofos devam pensar que são responsáveis por promover ou fazer avançar o progresso social ou ideias morais. Isso tende a levar a conversa de "treta" em vez da aderência estrita aos requisitos da clareza, dos argumentos rigorosos, etc.Muita gente tem a ambição de ajudar a tornar o mundo melhor (há mesmo muita gente devotada a isso), mas há muito poucos, como os filósofos, que têm um compromisso específico para com esses ideais mais austeros. É essencial que esse compromisso seja respeitado e mantido, em vez de ser abandonado ou diluído noutros compromissos em relação a outras ideias ainda que estas sejam também válidas e importantes, mas às quais outras pessoas se podem dedicar.Há aqui uma separação bem adequada entre vários tipos de empreendimentos e uma das coisas que julgo tem sido infeliz nos mais recentes desenvolvimentos no mundo académico é que muitas universidades parecem pensar que têm a missão de melhorar a sociedade e melhorar o carácter moral dos seus estudantes - que têm de os ensinar a ser tolerantes e têm de lhes ensinar o valor da diversidade, e outras coisas boas. Estas são, de facto, coisas boas, mas a universidade tem uma missão diferente. Há muitas instituições na sociedade que têm por finalidade a melhoria das condições sociais. Mas não há nenhuma outra instituição além das instituições educativas, em particular as universidades, que tenham a missão de promover o respeito e a preocupação com a verdade e com a clareza e com a compreensão. Os filósofos deviam ater-se a isso."

Carlos Fiolhais no De Rerum Natura

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