domingo, 18 de maio de 2008

Nuno Júdice


Outono


Criei a alma. A vegetação de países
irrepettíveis. Vastos bosques orlam os caminhos. Os muros
dão para o mar. as aves pontuam o céu. As ondas
arremessam-se
sobre o litoral.O poema é cruel,
indeciso.

Preparei a nostalgia violenta da criação. Sentei-me
nos bares marítimos de cidades inglesas, esperando barcos
que não vieram. Invoquei regressos, longas
viagens, percursos espirituais. Cada dia me trouxe
uma diferente sensação.

As folhas juncam o chão. O terror
assola o planalto, as populações mórbidas
do poente.Uma voz canta as mulheres obscuras
de Southampton.Chove no poema
há alguns anos.O poeta abre, finalmente,
o chapéu de chuva

A Noção de Poema (1972)


Gramática: O Verbo

Principal ou auxiliar, é o verbo que faz mover
o discurso, dando à existência a sua qualidade
activa, e transformando-a no ser idêntico
que reúne em cada um sujeito e estado, sem
distinguir uma ideia de outra. Porém, a
conjugação dos tempos e modos multiplica
o que dizemos por nós, por vós e por eles,
desde o passado ao futuro; e no presente
em que o enunciamos, o verbo é ser o que
é, sem ter sido o que será, na definição
conjugada das pessoas que agem, sem
que o saibam, e das que sabem, sem agir.

A Matéria do Poema (2008)

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