terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Ironia, Democracia e Reformismo


Fazemos ironia quando o significado literal das nossas palavras representa o oposto do nosso pensamento. Mas a ironia é o oposto levado à caricatura, para sublinhar a inverosimilhança.
…A ironia pressupõe algum sentido de humor – essa coisa indefinível que é a capacidade de não levar tudo a sério e de perceber a vacuidade, a futilidade ou o ridículo das coisas e das pessoas.
MFL não faz ironia. MFL é sempre literal. E sempre séria.
Fez aliás carreira cavalgando uma imagem de seriedade – que quer dizer aqui honestidade e rigor, mas que em Portugal se confunde com frequência com falta de sentido de humor. Se MFL se risse (pensa MFL), poderiam pensar que é desonesta. MFL não corre o risco e não ri. Nem faz humor. Nem ironia.
Quando falou na Câmara de Comércio Luso-Americana, MFL não fez ironia – o que não quer dizer que estivesse a propor suspender a democracia (acho que não estava).
Só que não existem apenas dois registos de oralidade, um “sério-verdadeiro” e um “irónico”. Há muitos e um continuum entre todos.
… O mais chocante é o facto de MFL acreditar que não se podem fazer reformas com democracia…A questão é que não tem sentido falar de uma política “com democracia” e outra “sem democracia”. E só pode ter para quem tenha da política uma ideia de coisa alheia às pessoas.
… A democracia não é um obstáculo nem apenas um contexto das reformas: é o objectivo da coisa, das reformas. MFL ilustrou de forma perfeita o que é a tecnocracia: uma política que quer ver as coisas a funcionar, independentemente das pessoas e dos direitos, uma política de bomba de neutrões, com “tudo na ordem” e sem a sujeira e o caos da democracia.


José Vitor Malheiros no Público

Sem comentários: