«A dr.ª Manuela Ferreira Leite “desafiou” o eng. Sócrates para um debate na televisão sobre política económica. Augusto Santos Silva rejeitou imediatamente a ideia. O primeiro-ministro, disse ele, debate com a oposição na Assembleia da República e em mais parte alguma; e não é culpa do Governo que a dr.ª Ferreira Leite não seja deputada. Por muito que nos custe, Augusto Santos Silva tem razão. Excepto em campanha eleitoral, nenhum primeiro-ministro aceitou até hoje o género de proposta que Ferreira Leite resolveu fazer. E nenhum a deve aceitar. Não se põe de parte, ou subalterniza, um órgão de soberania por causa da conveniência ou do estatuto de um qualquer indivíduo. O regime precisa de mais dignidade, não precisa de menos. E o destino do país não se pode decidir entre uma telenovela e um concurso.
A situação de Manuela Ferreira Leite não é, de resto, única. Que me lembre, antes dela, Marcelo Rebelo de Sousa e Pedro Santana Lopes (por um tempo) também ficaram de fora. Isto em certa medida mostra o amadorismo ou, se quiserem, o diletantismo das grandes personalidades do PSD. Mas não só delas.
Desde o princípio que não houve coragem para estabelecer, como em Inglaterra, a regra simples de que os membros do Governo (do primeiro-ministro para baixo) e das direcções dos partidos saíam obrigatoriamente da Assembleia. E o resultado foi que a Assembleia se tornou, em grosso, um repositório de mediocridades, colectivamente subordinada aos privilegiados que de facto mandam. O deputado médio é hoje um triste figurante, sem influência e sem prestígio e, sobretudo, sem futuro.Pior ainda: os governantes, tanto do PS como do PSD, vêm vulgarmente de um pequeno círculo de notáveis da universidade, das profissões, do alto funcionalismo e do sector privado. São gente que não quis sofrer o anonimato e o tédio do Parlamento, que traz sempre consigo uma deformação corporativa e que, às vezes, representa interesses privadíssimos.
Depois da última derrota do PSD, a dr.ª Manuela Ferreira Leite escolheu, salvo erro, trabalhar num banco. [o espanhol Santander Totta] Estava no seu direito. Mas não está agora no direito de exigir que o eng. Sócrates, por puro masoquismo, a compense de uma escolha errada. A política é mais do que uma profissão, é uma vocação de serviço. Quem se reserva para servir na forma e nos termos que lhe agradam diminui a política e não merece uma especial simpatia.»
Vasco Pulido Valente, hoje no Público
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